Análise Comparativa de Correntes Antropológicas Clássicas: Evolucionismo E Funcionalismo

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Neste estudo, tem-se por objetivo elaborar reflexões, a partir de referências teóricas, acerca do que foi identificado como pontos de convergência e divergência entre as correntes antropológicas clássicas conhecidas por Evolucionismo e Funcionalismo. Quanto à metodologia, realizou-se busca nas literaturas centrais das referidas escolas antropológicas, do tipo pesquisa bibliográfica, mediante a leitura sistemática e crítica dessas publicações.

Nossas considerações estão estruturadas em quatro tópicos, além desta introdução. Primeiramente, apresentamos um sucinto arrazoado dos principais fundamentos teóricos de cada uma das correntes em estudo. A seguir, expusemos os pontos de convergência e divergência obtidos do confronto comparativo entre ambas. No quarto tópico, apresentamos nossas reflexões e análises de caráter teórico decorrentes do estudo realizado.

Evolucionismo

Lewis H. Morgan foi um antropólogo, etnólogo e escritor norte americano que viveu entre 1818 e 1881. É reconhecido como um dos fundadores da antropologia em sua fase moderna, reconhecimento obtido por pesquisa de campo realizada na comunidade dos povos originários de Iroquesa ou Haudenosaunee, situados na região dos Grandes Lagos, nordeste da América do Norte, compreendendo o perímetro geográfico entre Estados Unidos e Canadá. Nesta expedição, Morgan extrai matéria para sua reflexão sobre cultura e sociedade. Entre seus estudos são enaltecidos, sobretudo, a análise sobre o parentesco, no qual o autor procura estabelecer conexões de sistemas de parentesco em escala global na obra Sistemas de Consanguinidade e Afinidade da Família Humana, de 1871 e a análise sobre a evolução das sociedades humanas consagrado em A Sociedade Primitiva, de 1877, no qual distingue três estados de evolução da humanidade: selvageria, barbárie e civilização, o qual será dissecado neste ensaio. Morgan utilizou-se da etnografia para defender seu ponto de vista evolucionista, considerando os processos culturais como movimentos unificados e lineares, no qual se configuram através de etapas que vão desde sociedades intelectualmente simples até atingir níveis mais complexos.

As mais recentes investigações a respeito das condições primitivas da raça humana estão tendendo à conclusão de que a humanidade começou sua carreira na base da escala e seguiu um caminho ascendente, desde a selvageria até a civilização, através da lenta acumulação do saber empírico (MORGAN, 1973, p. 13).

Para sustentar sua argumentação, Morgan apresenta materiais que supostamente provam a condição rudimentar de sociedades não europeizadas, lidas como primitivas em detrimento de sociedades eurocêntricas, lidas como o ápice do percurso da humanidade, assinaladas como condizente com a marcha do progresso, levantando como base o conceito tecnocrático de que as invenções e descobertas são a principal evidência comprobatória da teoria evolucionista.

Morgan descreve a selvageria como o período inicial da humanidade. Os hábitos humanos, em princípio, pouco difeririam do estilo de vida dos símios. Vivendo como coletores, a espécie humana desenvolveria aos poucos as habilidades de caça, adquirindo novos hábitos alimentares, que se complexificariam ainda mais após o domínio do fogo, confecção de utensílios e armas. A fabricação de utensílios de cerâmica, até a manipulação do ferro, seria o período da barbárie, onde as práticas da agricultura e domesticação de animais fariam com que o ser humano adotasse modos sedentários de vida. A inauguração da civilização, segundo Morgan, se daria através da criação do alfabeto fonético, assim como a criação de obras literárias. Morgan enfatiza, ainda, a existência de uma formação gradual de processos culturais através das ideias e as subdivide em sete pontos:

  1. Os meios de subsistência sofrem melhoria contínua, por meio de invenções e descobertas e, mesmo que em medidas de tempo irregulares, ininterruptas;
  2. As formas de organização de governo poderiam ser observadas como germinais em períodos selvagens, até sua posterior sofisticação;
  3. A linguagem possuiria um aspecto mais rudimentar em sociedades primitivas e de forma inconsciente, as sociedades passariam de palavras monossilábicas à articulações complexas, envolvendo uma maior gama de vocabulário rebuscado, incluindo alternações para entonação de voz;
  4. Tratando-se de contexto familiar, os costumes matrimoniais, manifestados pelo sistema de consanguinidade e afinidade seria outro argumento favorável ao evolucionismo;
  5. Os preceitos religiosos constituem outro fator determinante para a teoria de Morgan, haja vista que o autor considera os rituais não europeus como provindos de atitudes grotescas e de certa forma ininteligíveis;
  6. Ao tratar de arquitetura, o autor expõe que a mesma apresenta ligação estrita com a família e vida doméstica, ao que leva o autor a concluir que moradias de família nuclear como superior à de casas conjugais dos lidos por ele como bárbaros e o abrigo dos lidos como selvagens;
  7. Por último, o autor considera a concepção da propriedade como um objeto de prova cabal mediante o evolucionismo, uma vez que Morgan descreve a predominância do sentimento de posse como o marco inicial da evolução.

Funcionalismo

Em linhas gerais, a premissa do funcionalismo é de que o homem tem determinadas necessidades que precisam ser satisfeitas. Por exemplo, precisa proteger-se do frio; aquecer-se; alimentar-se; organizar a proteção contra perigos externos. Por isso, a fim de solucionar todos os seus problemas são estabelecidas relações de interdependência, uso de artefatos e desenvolvimento do conhecimento (MALINOWSKI, 1975, p. 43). Assim, a relação entre a satisfação de uma dada necessidade humana a partir de uma atividade específica, é uma relação funcional.

O atendimento dessas necessidades humanas é garantido por unidades de organização humana chamadas de instituições. É por meio dessas instituições e operando a aparelhagem material que manipulam, os homens agem em conjunto para suprirem algumas de suas necessidades, de modo que cada uma dessas instituições tem suas funções específicas e todas são imprescindíveis para a manutenção de um grupo organizado. Além disso, a estrutura da organização demanda um esquema muito bem definido, “do qual os principais fatores são universais, porquanto são aplicáveis a todos os grupos organizados, os quais, por sua vez, na sua forma típica, são universais para toda espécie humana” (MALINOWSKI, 1975, p. 45).

Uma vez sendo possível criar princípios universalizantes válidos de ação institucional, haverá o alicerce científico para as investigações empíricas e teóricas. Com a pesquisa etnográfica é possível compreender a função de cada elemento desses, no momento presente, para manter o equilíbrio de uma dada sociedade. Em termos superficiais, tem-se o pressuposto de que uma sociedade ou cultura só pode ser compreendida em conjunto, a partir da forma mais próxima que o pesquisador pode chegar, sem se tornar propriamente um nativo, por um período suficientemente longo para aprender o ponto de vista do nativo. O método etnográfico, juntamente da observação participante, propõe que o pesquisador se aproxime ao máximo do que significa ser um nativo de uma determinada sociedade ou cultura, para que assim seja capaz de ter uma noção geral da totalidade dessa cultura ou sociedade.

A partir dessas duas dimensões de análise, funcional e institucional, Malinowski apresenta a noção de cultura como um conjunto integral de instituições e mantém sua integridade e autossuficiência quando possibilita a satisfação de um determinado rol de necessidades básicas, instrumentais e integrativas:

O panorama da cultura […] é, obviamente, o todo integral constituído por implementos e bens de consumo, por cartas constitucionais para os vários agrupamentos sociais, por ideias e ofícios humanos, por crenças e costumes. Quer consideremos uma cultura muito simples ou primitiva, ou uma extremamente complexa e desenvolvida, em parte humana, em parte espiritual, com a ajuda da qual o homem é capaz de lidar com os problemas concretos, específicos, com que se defronta (MALINOWSKI, 1975, p. 42).

Para o mesmo autor, a abordagem funcionalista permite contextualizar pragmaticamente um determinado símbolo e provar que, na realidade cultural, é por meio do efeito que produzem que um ato verbal ou símbolo se tornam reais. Também considera que a abordagem formal, em trabalho de campo sociológico e etnográfico, permite evidenciar a perspectiva organicista da sociedade estudada, como um todo coerente, definindo as ideias, as crenças, as cristalizações emocionais de uma cultura completamente diferente, com precisão e objetividade. Além disso, a partir de seus determinantes gerais, se tornará possível traçar uma série de predições para tratamentos comparativos e hipóteses de mudanças culturais.

Análise Crítica

O autor funcionalista admite o ponto de vista evolutivo como a pedra fundante dessa área de conhecimento tida por Antropologia Moderna e reconhece que alguns conceitos da escola evolucionista, não apenas são válidos, como também indispensáveis ao trabalho de campo e teórico, fazendo uma renovada leitura sobre eles. Para o funcionalismo, o princípio geral de análise evolutiva em etapas permanece, pois certas formas, definitivamente antecedem outras. Uma etapa tecnológica (“idade da pedra”, “idade do bronze”, “idade do ferro”), ou os níveis de organização de um grupo precisam ser consideradas do ponto de vista evolucionista como a exata descrição de um tipo especial de cultura.

Porém, na visão funcionalista, para a verdadeira compreensão de um grupo nativo, ou sua cultura, se faz necessário considerar com mais ênfase o momento presente de uma determinada sociedade. É mais importante entender as unidades de organização como realmente são, do que como vieram a se tornar do jeito que são, pois os processos evolucionários se dão na forma de mudança institucional. Pela análise funcional, qualquer que seja a mudança intelectual ou social somente acontecerão quando criadas novas necessidades; bem assim, as novas técnicas ou invenções apenas são incorporadas a sistemas de comportamento organizado já constituídos, acarretando uma gradual e completa mudança dessas instituições.

Conclusão

Pelo que ficou patente na exposição, percebe-se a importância histórica de ambas as correntes teóricas para a Antropologia Moderna. Em que pese as divergências epistemológicas entre as diversas correntes, elas não necessariamente excluem-se mutuamente.

Referências

MALINOWSKI, Bronislaw. Uma teoria científica da cultura. Tradução Jose Auto. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

MORGAN, L. H. A Sociedade Primitiva. 2. ed. Lisboa: Presença, 1973.

TOOKER, Elizabeth. Lewis H. Morgan on Iroquois Material Culture. 1st Edition. Tucson: University of Arizona Press, 1994.

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