Notas de Leitura: Leviatã

Thomas Hobbes. Leviatã. Londres: Andrew Crooke, 1651. Coleção Holmes, Divisão de Livros Raros e Coleções Especiais, Biblioteca do Congresso

Trago, por meio deste sucinto arrazoado, algumas reflexões e percepções sobre o pensamento político e filosófico do inglês Thomas Hobbes (1588 – 1679), a partir de sua mais importante obra: Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de Um Estado Eclesiástico e Civil, publicado em Londres em 1651. Para limitar o foco desta análise ao estado de natureza; ao pacto social; e à legitimação do Estado absolutista, destaco o conteúdo que encontra-se exposto mais precisamente entre os capítulos XIII a XIX do livro supracitado.

As teorias do Homem e do Estado elaboradas por Hobbes se relacionam a um contexto histórico bem delimitado pelas disputas políticas, sociais e econômicas decorrentes do embate entre Parlamento e Poder Real na Inglaterra do século XVII. Suas ideias contribuem sobremaneira para o estudo da Ciência Política na medida em que propõem fundamentos teóricos da formação do Esta

Basicamente, a partir de uma tática de autopreservação que leva os homens a saírem do estado de natureza para atingirem um patamar de sociedade civil, eles são levados a estabelecer um pacto entre si. Um pacto artificial e precário que consiste numa “transferência mútua de direitos”, principalmente, abrindo mão de parte da sua liberdade em favor de um soberano absoluto que é a própria fonte legisladora.

É de se destacar que mesmo nos dias de hoje, o leitor que tem seu primeiro contato com a obra de Hobbes terá seu ponto de vista e opiniões desafiados, ou até mesmo mudados, ao se deparar com as ideias e opções que se encontram em seus textos políticos.

Primeiramente com a afirmação de que “todos os homens são naturalmente iguais”. Essa noção de igualdade se relaciona ao instinto que todos têm de autopreservação – em outras palavras, o desejo de cada um e de todos pelo necessário e cômodo para a vida – de modo que, como todos são dotados de força física e aptidões intelectuais que se igualam de uma forma ou de outra, em estado de natureza o apelo à violência se propaga cada vez mais, com cada qual elaborando novos meios de destruição do próximo. De modo que nessas condições não há sociedade, apenas um constante temor e perigo de morte violenta, “a vida do homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta”. Porém, é o próprio instinto de autoconservação que acaba por exigir uma saída desse estado de natureza com base na preservação da vida através de uma paz tática.

Outro conceito que chama a atenção ao ler Hobbes é a máxima da “guerra de todos contra todos” e serve para compreendermos como o filósofo pensa o estado de natureza. Para ele, essa é a condição em que o homem vive antes de adentrar no estado social, pois como o medo e o instinto de autopreservação são centrais na concepção de Hobbes, os homens somente concordam em entrar no estado social com a percepção de que a vida está ameaçada. Por isso é que “todo homem deve esforçar-se pela paz, na medida em que tenha esperança de consegui-la, e caso não a consiga pode procurar e usar todas as ajudas e vantagens da guerra”.

Entendo que é importante apresentar um contraponto a esse respeito. Imagino que o filósofo em questão concebeu suas teorias como um pensador marcado pelas contradições e conflitos de seu tempo. Todavia, é de se mencionar que ao contrário de Hobbes – para quem o homem é naturalmente cruel, movido deterministicamente segundo suas paixões – a maior parte dos filósofos políticos partem da premissa que o homem tem uma predisposição natural para viver em sociedade. Apenas para citar alguns exemplos, menciono brevemente que Aristóteles (384a.C. – 322 a.C.) tem por evidente que o homem é naturalmente um animal político, destinado a viver em sociedade; John Locke (1632 – 1704) considera que naturalmente o homem se encontra em perfeita liberdade de agir e possuir conforme acharem por conveniente, limitados apenas pela lei da natureza, sem depender da vontade de outro homem; Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1788), utiliza a metáfora do “bom-selvagem” para argumentar que, em seu estado de natureza, o ser humano é bom, livre e igual a outros homens, e que essa dimensão de harmonia em que vive é quebrada com o surgimento da propriedade privada.

Especificamente em relação ao Estado civil, por considerar que os homens não cooperam entre si como o fazem naturalmente as formigas ou as abelhas, Hobbes explica que a necessidade de sobrevivência os leva artificialmente a celebrarem contratos que consistem na transferência mutua de direitos. Porém, ainda pode haver o temor de que a promessa de cumprimento desses contratos não venha a se efetivar, já que a mera palavra empenhada é um laço muito fraco para refrear a avareza a cólera e as paixões, se não houver o medo de algum poder comum que os mantenha em respeito. “Mas num Estado civil, onde foi estabelecido um poder para coagir aqueles que de outra maneira violariam a sua fé, esse temor deixa de ser razoável”.

Nesse ponto, dou especial destaque para o pensamento inovador de Hobbes ao propor o fundamento do Estado como resultado de deliberação racional entre iguais com o fim de proporcionar a viabilidade da vida em paz e em segurança na sociedade. Mais do que mera concórdia, temos uma sólida unidade de todos esses iguais “realizada por um pacto de cada homem com todos os homens”, no sentido de que cada um transfere a determinado indivíduo o direito de o governar, da mesma forma que todos os demais componentes da sociedade também o fazem. Dessa forma, “a multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, esta é a geração daquele grande Leviatã”, dotado de imenso poder e força que é capaz de causar o necessário terror para conformar as vontades de todos os homens.

Logicamente, Hobbes vai além da teorização do Estado Político – também chamado de de Estado por instituição. No seu pensamento, o pacto social conduz necessariamente ao poder absoluto do soberano, que não decorre de direito divino, pois “a pretensão de um pacto com Deus é uma mentira tão evidente, mesmo perante a própria consciência de quem tal pretende, […] próprio de um caráter vil e inumano”. Para ele, é da própria instituição do Estado que advém todos os direitos e poderes do soberano, conferido mediante consentimento do povo reunido. Ou seja, dado que os próprios súditos consentem com o soberano escolhido, cada súdito passa a ser considerado autor de tudo quanto o soberano fizer e por isso mesmo, não pode ser punido pelos seus súditos.

Ora, já sabemos que apesar da rigorosa estruturação lógica de suas ideias e teorias, Hobbes acabou preterido pelo liberalismo de seu conterrâneo John Locke. A Revolução Gloriosa pôs fim à autoridade extremada do absolutismo na Inglaterra, instituindo em seu lugar uma monarquia constitucional e, com ela, a separação de poderes, a liberdade religiosa e de expressão e propiciando a formação de uma mentalidade civilista.

Ao fim, com esta breve e suscinta análise que faço do trecho do livro aqui em exposição, é possível entender que Thomas Hobbes deixou uma contribuição importante para o estudo da Ciência Política. Contudo, cabe ainda destacar que as ideias, teorias e declarações legadas de Hobbes acerca da religião, bem como a natureza humana e a organização política se vinculam à sua teoria materialista da realidade e sua teoria nominalista da natureza do conhecimento. Por isso mesmo precisam ser mais bem compreendidas a partir da leitura conjugada de toda obra do pensador, principalmente Leviatã; Elementos de Lei Natural e Política; Natureza Humana; Sobre o Corpo; e Sobre o Cidadão.

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